Criticas


Conversação com o artista Miguel Penha 

Abril de 2014

 
Marcio Harum: Como você visualiza a tua própria exposição, agora montada e em exibição aqui no Paço das Artes? Pode descrevê-la tecnicamente, se assim o desejar.

 
Miguel Penha: A exposição “Dentro da Mata”, composta por nove trabalhos, em que dois deles são pinturas em acrílica sobre tela, possui uma obra que representa uma típica cena de cerrado, mais precisamente uma vista do interior do Parque Nacional Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso- um dos temas de interesse de minha produção, juntamente com a pesquisa sobre a vegetação da floresta amazônica. Quando estou pintando a óleo, me envolvo bastante com os modos de utilização da cera da carnaúba e os secantes em pó, que dão forte destaque as colorações. O óleo que é retirado da tinta não realça muito o brilho, assim o que resta é uma pintura mais seca, parecida e talvez próxima dos efeitos da encáustica, em que as cores são suavemente destacadas em seu aspecto. Como a minha pintura é calcada na luz natural do centro-oeste brasileiro, e como filho de índios, nascido em Cuiabá, mas crescido entre São Paulo e Brasília (meu pai Xiquitano, minha mãe Bororo), desde a minha infância, venho conhecendo bem a vegetação, pois andei muito com o meu pai pelas matas, caçando e coletando frutos no cerrado, e nos últimos tempos, a região do cerrado tem sido cada vez mais assombrosamente destruída, e o trabalho que faço tem foco também no esclarecimento geral do que vem acontecendo no entorno. Por isso, busco retratar com a ajuda dos elementos da natureza, um olhar bastante pessoal, aproveitando-me de ângulos e perspectivas que são retirados de minhas caminhadas e andanças, do conhecimento sincero que possuo por entre vários povos da floresta, do uso medicinal, com o preparo tradicional de plantas e ervas.  Procuro trazer tudo isso de uma só vez, numa composição única, que possa ser recriada espontaneamente por mim mesmo, ao selecionar novamente as espécies e ter que refazer por imaginação alguns dos ambientes desta magnífica flora.

 

Marcio Harum: Você tem predileção por estudos de botânica em sua pesquisa, ou  interesse por algumas espécies e ecossistemas específicos? O que te chama mais a atenção é a planta, a vista, o bioma? O que tanto pinta e que está presente agora mesmo na exibição do Paço? São retratos da paisagem?

 

Miguel Penha: Pinto o bioma, as espécies, mas pinto também, sob forte impacto visual, a sensação de beleza que existe na mata. Tento transmitir ao visitante os sentimentos de se estar diante de tal maravilha. Alguns desses exemplos são parte do que estou mostrando em minha exposição: o buriti, o ubim, que é uma palmeira amazônica, o cafezinho e outras plantas, em meio a uma paisagem que é ao fim o resultado de meu pensamento e experiência, baseados em conhecimentos verdadeiramente ancestrais.

 

Marcio Harum: A que locais especificamente o teu trabalho busca remeter? Existem mesmo essas localidades, ou são apenas meras aproximações topográficas? Ou todas essas visões são parte do teu imaginário?

 

Miguel Penha: Apesar de qualquer poética particular, sobretudo a presença é a da Chapada dos Guimarães. Por exemplo, posso andar no mato demoradamente com uma pessoa, e depois ao comentar sobre a caminhada, às vezes acontece de perceber que a pessoa que me acompanhou não sabe absolutamente nada sobre os lugares por onde passamos juntos há pouco. Daí tenho que voltar sozinho na mata e fotografar justamente aquele ponto, aquele exato local, aquele detalhe.  A exposição se divide entre duas áreas, cerrado e mata, que são as mesmas condições naturais justapostas encontradas na região em que vivo. É chocante lembrar que do caminho entre os estados do Mato Grosso a Goiás, pela estrada, na atualidade, o que temos apara avistar são infindáveis campos de plantação de algodão e soja, e mais nada. Contudo, tento recuperar a história visual da região em meu trabalho, registrar essa mesma vegetação. Dou os exemplos da palmeira paxiuba, usada pelos seringueiros e pelos indígenas na construção rudimentar de assoalhos de suas casas e palafitas na região amazônica e no Mato Grosso, do pequizeiro do cerrado, que finalmente foi tombado pelo patrimônio ambiental nacional- não se derruba mais as árvores desse fruto tão utilizado pelos índios até a zona do alto do Xingu. Estão presentes em meu trabalho os igarapés de água limpa, o babaçu, o marimbondo-tatu, a mata-verde das palmeiras bacaba, que é amplamente utilizada na alimentação e para o preparo de sucos. A palmeirinha ubim, tão difundida pelos seringueiros e indígenas como material ideal para se fechar a cobertura das casas.  Outra localidade inspiradora é a reserva do povo Krahô, às margens do Rio Brilhante, retratada por mim como se fosse ocasionada por uma sensível memória fotográfica.

 

Marcio Harum: Como é o teu dia a dia de ateliê? Você vive unicamente do teu trabalho?

 

Miguel Penha: Acordo cedo e pinto das 7 até as 11h da manhã, almoço, descanso um pouco, e à tarde pinto mais umas três horas, todos os dias.  Vivo da minha pintura. Pinto há muito tempo e sou reconhecido por isso em Cuiabá. No estado do Mato Grosso, temos que nos lembrar disso, não há nenhum curso superior no ensino das artes. Se alguém quiser estudar e se formar nesse campo, tem que obrigatoriamente sair de lá e vir viver em São Paulo. Me preocupo muitíssimo com as  questões de preservação e de politica ambiental também. O isolamento, a distância e o transporte caríssimo, ao qual estamos sujeitos para locomovermos pelas regiões do país, são os efeitos colaterais que mais vão se tornando rapidamente passíveis de gerar descaracterização e destruição das narrativas culturais regionais. 

 

Marcio Harum: Qual a tua expectativa em participar como artista selecionado da Temporada de Projetos? Em relação a isso, qual a tua possível contribuição?

 

Miguel Penha: Como artista, o que espero é divulgar, aprimorar, inovar o meu trabalho. O meu desejo constante é o de estudar a pintura, as cores, a química, sua durabilidade, técnicas de conservação. De poder crescer, evoluir, trocar com outros artistas, ver o meu trabalho sofrer transformações positivas e estar mais sujeito aos avanços tecnológicos.

 

Marcio Harum: Como você se relaciona com a luz no teu trabalho, natural e artificial? De onde vem a luz que entra na tua pintura? E a da tua exposição?

 

Miguel Penha: Trato a luz como eu a vejo na mata. A luz da natureza é uma fonte de inspiração muito forte para mim.

 

Marcio Harum: Que rumo você gostaria de dar ao teu trabalho daqui em diante? Quem exige mais: você dele ou ele de você?

 

Miguel Penha: Como sou bastante crítico, exijo muito de meu trabalho. Mas o  que realmente me atrai são as cores. Sinto que o meu trabalho pode dar um salto importante, mas não sei como isso vai de fato acontecer. As pinceladas e as cores tem mudado, trabalho com doze cores a óleo e quatro em acrílica. Os resultados estão se modificando devido a essas experimentações. Quero poder trabalhar a luz sem usar o branco. Eliminar o branco e iluminar com cores. A iluminação da cor.

 

Marcio Harum: De novo, mas ao contrário, como você deseja que o teu trabalho prossiga, qual a direção a tomar?

 

Miguel Penha: Só sei que preciso continuar trabalhando, pintando, para ver aonde o meu trabalho consegue chegar e até aonde ele vai me levar em relação as novas sensações com as cores, com os grande formatos das telas de até 3 X 6m, montadas sem bastidores, direto sobre lonas de caminhão. Em meu trabalho, busco o sentido mais real até mesmo na casca das árvores.

 

 Marcio Harum é curador de artes visuais no Centro Cultural São Paulo.

 

    


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" Dentro da Mata "
Imaculada

Miguel Penha, é "O pintor" na essência. Transporta em si estas significações, ora vistas nas suas presentes obras de óleo sobre telas,
de caráter puro e altaneiro, em A CASA DO PARQUE. Suas figuras, advindas de suas árvores retilíneas, de "Dentro da Mata", nos inspira
a compactuações lineares e plásticas. Sobretudo assevera, ou confere-nos estas qualidades plásticas, inerentes e presentes, nos seus
quadros. Estabelece esta constatação da sua fugaz e permanente busca poética com a sua floresta virgem, intocada, "Imaculada".
Lembra-nos das ilustrações de um Brasil recém descoberto. Força-nos, com arte, a observar que os dias das matas fechadas,
estão contados. Poetisa com este constante matiz esverdeado, o qual realiza a fotossíntese em presença da luz solar, libertando o oxigênio,
tão necessário à vida no planeta. Por sua vez, encontra-se representado nos tons azulados emanados de "Dentro da Mata" de Miguel Penha!!.
Azul é a cor do Oxigênio!!

Plasma-se na atmosfera do quadro-obra, esta exuberância clorofílica, procedente da grande porção das folhas, dos enramados inseridos nos
seus verdes frios, refrescantes e prazerosos. Certamente que estimula, e nos remete para dentro desta mata virgem! Uma sobrevivente?
Uma deusa na imaginação do artista Miguel Penha?

À esta reflexão pictórica, Miguel Penha coloca-nos ao reverso do estar "Dentro da Mata", e nos conduz em dignidade, beleza e poesia, à
"Mata a Dentro". Alcança o subjetivo. A leitura do olhar do espectador-sujeito, adentra-se ao espírito da floresta.

Neste bioma plástico e visível aos nossos olhos, neste enramado em grande escala, oculta-se a presença dos seres vivos, dos animais, os
verdadeiros protagonistas e habitantes das matas brasileiras, hoje quase "Imaculadas."

As linhas retas em verticais, símbolos da masculinidade, são indicativas a desempenharem o papel de transmissões ideológicas, de alertas,
de contatos, de sinalizações em tons de verdes exuberantes. Algo ainda pode ser feito para reverter o processo de desaparecimento das
nossas florestas?

O quadro, o qual me trouxe-me mais admiração de beleza e estase, está logo à entrada, e chama-se "O Igarapé" que, quer dizer em Tupi
"caminho da água".

Este quadro justifica a beleza destas 13 obras expostas em "A CASA DO PARQUE".


- Estou admirado!!


João Sebastião Barros

Pintor

Premio Viagem No País
Crítico e Amante das Artes Visuais

Visite o meu blog www.joaosebastiaocosta.blogspot.com

João Sebastião

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Uma Exposição Para Ser Vista


A exposição é o cartão postal de todo artista. Sempre foi e será. Pois é a partir do ato de expor que seus trabalhos tornam conhecidos, e o conhecer, neste particular, não se restringe ao limite verbal. Ultrapassa a dimensão do tempo. Vai além do presente, o qual serve de ponte entre o passado e o futuro. Um amanhã que pode não ser igual ao hoje, nem ao ontem.

Caso persista o descuido com a natureza. Recado bastante claro nos quadros de Miguel Penha. Recado que se transforma em convite.

Não qualquer convite. Mas o de caminhar por dentro da mata, enquanto se ouve, bem de perto, os cânticos dos passarinhos. Caminhada que encanta. Tanto que parece entrelaçar homem e natureza. O público se vê, então, conduzido pelas pegadas do artista. Parece seguir religiosamente seus passos, cujas paisagens formam cenários perfeitos  ricos em simplicidade e sensibilidades.

Terrenos que o pintor sabe percorrer tão bem. Mais do que se possa imaginar, e faz dos ângulos não apenas os formatos das telas, mas, de fato, longos corredores a serem seguidos.

Assim, por entre as árvores, o espectador depara com um ambiente antes explorado. Chega a ter a sensação de que pisa nos galhos secos e na folhagem caída sobre o chão, ao mesmo tempo em que seus olhos percorrem os desenhos feitos por caules das árvores, cujas texturas variam de tonalidade, e fungos de diversas cores, criando dessa forma uma estampa extraordinária. Tem-se, bem de perto, a Amazônia. Lugar paraíso, onde se possa oxigenar para a vida. Viver que exige proximidade com a mata, pássaros e grilos.

Deleite! Visitante e pinturas se fundem em um único quadro. Pois em momento algum, teve comunidade humana sem cultura.

Por tudo isso, deve-se aproveitar de tudo que a exposição pode oferecer. Ainda que seja no seu último dia. Oportunidade para entrar em contato com a obra e com o seu autor.

Miguel Penha é um artista exemplar. Expressa em suas pinturas além do que pensa e vê. Por isso, Dentro da Mata supera o espaço limítrofe de um título. Afinal, é uma experiência, narrada em traços, cortes e riscos. Razão pela qual se deve visitar a exposição. Ainda que já tenha passado por ela. Uma ou duas vezes. Não importa! Relevante mesmo é o estar no local onde se encontram as pinturas.

Contato que une espectador, obra e autor. Tripé de engrandecimento, e não só de reconhecimento da grandeza das obras expostas no SESC/Arsenal. Pois nelas, nas ditas obras, têm uma fatia de Mato Grosso, e, por conta disso, de cada morador daqui.

Lourembergue Alves é professor universitário e articulista de A Gazeta, escreve para a Gazeta às terças-feiras, sextas-feiras e aos domingos. Matéria publicada no Jornal A gazeta dia 24/10/2010

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